DEPOIS DE TUDO
A chuva desperta o frio
Que pensava já se fora,
Levando consigo o gelo
Do meu coração vazio.
Molhou-me o rosto e a semente,
Fez estragos nas calçadas,
Foi embora sem remorsos
Deixou-me apenas silente.
O vento dançou entre as flores,
Correu atrás da saudade,
Coitado!nada alcançou,
O que sobrou foram dores.
O trovão roncou no céu,
Ecoou no meu quintal,
Fez tremer a Terra inteira,
Deixou minha vida ao léu.
AMOR ANTIGO
Queria inventar pra você
O mais perfeito verso,
A rima de sabor mais doce,
A estrela maior do universo.
Remexo toda emoção,
Matuto no pensamento,
Mas só ouço o coração
Remoendo sentimento.
Calo o grito,
Sinto no peito
Um gosto esquisito,
Morro um pouco desse jeito.
Acho que vou lhe propor
A vida inteira lhe dar,
E além da eternidade supor
O amanhecer com você partilhar.
A casa branca além do lago,
A lua cheia a brilhar,
Enluarando o sonho vago
Que haveremos de sonhar.
Não deixe a tristeza levar
A esperança de o dia nascer,
Da flor no jardim acordar,
Mesmo sem ver a chuva gemer.
Dá-me o amor chorado,
Guardado,
Machucado
E vem.
Lado a lado, de mãos dadas,
Caminharemos ao vento,
Pisando em mágoas jogadas,
Entre folhas secas morrendo.
Deixe a magia fluir,
Abrace tudo que eu digo,
Não deixe nosso sonho ruir,
Se renda a esse amor antigo!
TUDO
Estrela da minha tarde,
Chuva do meu ressequido chão,
Calma da minha alma,
Mar sereno do meu céu.
Barco da minha viagem,
Concha da minha areia,
Sol de toda manhã,
Pulsar do meu coração.
Serei para ti:
A luz mais azul,
O acalanto,
A paz,
O infinito,
A direção,
O encantamento,
O calor,
A vida.
MÃO DUPLA
A cada tarde
Que os olhos se estenderem
Pela janela
E alcançarem o mundo lá fora,
Hei de sempre ver a mesma estrada
Que uma vez trouxe você
Numa noite de primavera,
Mas o levou de volta
Nos braços de outro amor,
Na manhã fria de inverno.
O mesmo caminho
De tantas viagens,
De idas e voltas felizes,
De velhos e novos lugares,
Calo meus versos
Diante de tanto abandono.
O cenário que me envolve
É tal qual meu coração,
Embaçado,
Magoado,
Repleto
De solidão
E lágrima.
Talvez seja tudo diferente
E eu não queira recomeçar,
Quando a sombra chegar
E aquietar o balbucio do dia.
Então há de sobrar
Não a sua presença meiga
No portão a me esperar,
Mas solitário recordar,
Que me fará companhia
Nas tardes de nostalgia.
E me restará, portanto,
Olhar as estrelas,
Procurar a lua cheia,
Sentir o vento frio
Bater no rosto dorido
De profundas cicatrizes,
Gelar o peito já frio.
Coração quase parado
Não tem mais por quem bater.
Depois,
Ouvir o silêncio da alma
No passo apressado,
Lembrar um tempo passado,
Aspirar a ausência,
Engolir o choro
E tocar a vida,
De leve,
Pra não acordar
A dor da ferida
E a lembrança da partida.
PEDAÇOS DE MIM
A primeira estrela sorri
Pra noite que se anuncia,
Brilha e pisca,
Pisca e brilha,
Fala-me de ti.
Finjo que não vejo,
Não quero a tua lembrança
Como pedra no caminho.
Baixo o rosto,
Seco os olhos,
Fecho o peito
E sigo em frente,
Sem olhar mais pra ela.
Sem outra saída
Deixo a noite me abraçar,
Sem, no entanto, te esquecer.
Paro de quando em vez
Vou catando,
Daqui e dali,
Pedaços de mim
Que não souberam viver sem ti!
A AURORA DE CADA DIA
A aurora rompe a noite escura
E desce a sua luz
Sobre a derradeira sombra,
Pinta a serra de cores,
Clareia pouco a pouco meu vale:
Desperta o sabiá,
O galo,
O curió,
Anuncia a luz do sol
E um céu sem chuva.
A natureza sopra as nuvens
E acorda o balé do dia
No balançar das folhas,
Das flores,
Do pó.
O vento faceiro
Levanta os cabelos,
As saias,
O nó,
Agita a esperança,
Alvoroça os olhos
O só.
O sol abre sua boca
Enorme e enfogarada,
Joga todo seu calor
No auge do novo dia,
Que canta a alegria
De ver da noite a agonia,
No verde que tem meu vale.
Mas não é presunçosa a aurora:
Dança,
Clareia,
Colore,
Mas deixa à tarde,
A glória da primeira estrela,
A silhueta da elegante lua.
Mas como nada é eterno,
Cai a sombra, pouco a pouco,
Dorme a serra,
Aninha o pássaro,
Silencia a natureza
Diante de tamanha beleza
E tudo volta à calma,
Adormece,
Certo que depois do sono,
Nova vida se inicia,
Do mesmo jeito,
Todo dia.
LEMBRANÇAS
Aquele vaso de flores
A um canto da sala
Recendia seu perfume
Na minha vida vazia.
Espalhava nas paredes
O vermelho das rosas recebidas,
Num ramalhete enlaçado,
De mãos desconhecidas.
Vinha trazer alegria,
Ternura de horas vividas
Entre o aconchego de abraços
E palavras de amor caladas,
Sufocadas,
Apertadas,
Esmagadas,
De tantas distâncias somadas.
E aquele vaso de flores
Sorri, silencioso,
Cheio mesmo de malícia,
Observando olhares
Que tentavam adivinhar
O mistério de tanta harmonia.
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